Enfrentando uma
onda de protestos de agricultores, presidente francês tem motivação eleitoreira
ao criticar suposta ameaça de exportações brasileiras
por André Cintra
Publicado 01/02/2024 18:59 | Editado 01/02/2024 20:23
Os últimos dias
foram de reviravoltas nas negociações para concluir o Acordo Mercosul-União
Europeia (UE). Segundo o jornalista Jamil Chade, colunista do UOL,
a Comissão Europeia – que responde pelas tratativas do bloco europeu – cedeu às
pressões e aceitou as exigências do Brasil na área de licitações públicas. Este
era um dos principais impasses que inviabilizavam a parceria.
Mas o presidente da
França, Emmanuel Macron, chamou às falas a chefe da Comissão Europeia, Ursula
van der Leyen – eles tinham uma reunião prevista para esta quinta-feira (1/2).
As licitações podem movimentar até US$ 114 bilhões, e Macron, num arroubo
protecionista, disse que não concorda com o recuo europeu. Segundo o líder
francês, a exportação de alimentos do Mercosul, especialmente do Brasil, vai
prejudicar os agricultores de seu país.
O Itamaraty,
alinhado à política industrial da gestão Lula, deixou claro que o acordo
bilateral não pode pôr em xeque a Nova Indústria Brasil – a ousada proposta de
neoindustrialização lançada pelo País na semana passada. Para impulsionar a
indústria farmacêutica local, Lula exigiu que o SUS (Sistema Único de Saúde)
ficasse de fora das licitações públicas.
Além disso, na
realização dessas licitações, o governo brasileiro cobrou uma “margem de
preferências” para as empresas nacionais – ponto com o qual a Comissão Europeia
também concordou. O acordo parecia, então, mais próximo – até Macron voltar à
cena para tentar dar um “chega-pra-lá” na Comissão Europeia.
De acordo com Jamil
Chade, a França não aceita assinar a parceria nesses termos. O alvoroço
incomodou diplomatas de todos os lados, já que o risco alegado por Macron não
foi suficientemente esclarecido. Sem justificativas mais razoáveis, o
presidente abriu guerra com a UE à base da força política e econômica da
França.
Conforme um
documento do governo Lula, “as cotas ofertadas pela UE ao Mercosul ou são
insuficientes, ou não representam grande impacto para as exportações
brasileiras. Ademais, são as barreiras não-tarifárias que mais restringem o
comércio bilateral”. Alguns produtores franceses também podem se beneficiar do
Acordo, como os exportadores de queijo.
A motivação de
Macron, no fundo, é eleitoreira. A França é um dos países europeus que vivem
uma onda de protestos de agricultores. Nesta quarta-feira (31/1), diversas ruas
e estradas francesas foram bloqueadas com caminhões, tratores e blocos de feno,
em manifestações contra o governo Macron e a própria
União Europeia.
Por conta dessa
dimensão para além das fronteiras, as ações contam com o apoio de agricultores
de outros países do bloco, como Alemanha, Bélgica, França, Itália, Lituânia,
Polônia e Romênia. Por trás da adesão está a pauta “ambientalista” contra a
qual os franceses lutam: aumento dos impostos sobre o diesel, combate a
fertilizantes ligados ao efeito estufa e ampliação da concorrência. O desgaste
dos governos europeus é crescente.
“O gesto de Macron
não ocorre por acaso. Para diplomatas, trata-se de uma tentativa de usar o
Brasil como escudo diante de um clima político tenso para o presidente
francês”, resume Jamil Chade. “Sob pressão para as eleições europeias em meados
do ano, sob o ataque da extrema direita e buscando uma estabilização, Macron
cria um ‘inimigo’ externo para fazer convergir as forças políticas e mostrar
que está defendendo um setor estratégico.”
Para todos os
efeitos, o presidente francês é que corre o risco de perder a batalha do Acordo
Mercosul-UE e ainda continuar no alvo dos agricultores. Com a popularidade em
baixa, seu segundo mandato tem sido melancólico para seu bloco político e pode
abrir margem para o fortalecimento da extrema-direita. Paris está em chamas.
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