Por Marco Aurélio Mello, no blog DoLaDoDeLá:
Caros Colegas,
Conheço a maioria de vocês e dou meu testemunho da dureza
que é trabalhar como jornalista na TV Globo. Já fui um de vocês por 12 anos,
por isso falo de cátedra. Acordamos cedo, às vezes cedo demais, dormimos tarde,
quase sempre tarde demais e passamos o dia todo conectados. Cobram de nós que
tenhamos lido tudo e visto todos os programas da emissora, inclusive os de
entretenimento.
Muitos só conhecem a
escala do dia seguinte na noite anterior. Muitos têm um rádio Nextel apitando
em nossas orelhas dia e noite. E muitos mais ficam on line pelo exchange, mesmo
estando em casa, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Parece propaganda de
caixa eletrônico, não é?
Nossas famílias vivem em função da nossa escala e das nossas
"conquistas". Somos mal remunerados, muito mal a propósito. Pagam
para um repórter iniciante a aviltante quantia de R$ 3,5 mil brutos. Aos
editores um pouco menos e os produtores, rádio-escutas, operadores e
estagiários é melhor eu nem falar. Os chefes te dizem com a maior cara lavada
que, para o seu posto de trabalho, tem 20 na porta esperando, sujeitos a ganhar
a metade. Veja que triste efeito da Oligopolização.
Há uma pequena "casta", cada vez mais restrita,
composta pelos figurões, que chegam a faturar uns R$ 50 mil cada, mas são
poucos, muito poucos. Como levam vida de bacana, inspiram muitos a continuarem
transpirando, na esperança de um dia alcançarem o Olimpo. A maior parte deles,
infelizmente, é apenas uma representação simbólica daquilo que as pessoas acham
que eles são, heróis, meio homens, meio deuses, portanto imortais. Como não
existe almoço grátis, são todos pessoas jurídicas, ou seja, colegas do dono, já
que também ostentam a condição de patrões.
A rotina é bem triste: a chefia de reportagem briga com as
equipes, quando param na rua para tomar um café. As equipes acham a chefia
tirana e a pauta ruim. Os produtores acham os repórteres preguiçosos e
presunçosos. Já os repórteres acham os editores preguiçosos e presunçosos. Por
seu turno, os editores acham os repórteres vaidosos, arrogantes e assoberbados.
Esta carnificina acaba com a humanidade de qualquer um. O mantra é competição,
produtividade e resultado. Não é jogo para amadores, costumam dizer os
chefetes.
No entanto, todos somos cordiais uns com os outros e
demonstramos um profissionalismo extremo em momentos de grande comoção, como
nas tragédias, que de tempos em tempos abatem-se sobre todos nós. É quando a
redação se supera e todas as diferenças são postas de lado, para uma corrida
desenfreada pela notícia, pela melhor declaração, pelo melhor ângulo, pelo
melhor resultado...
Por tudo isso, sei o quanto são guerreiros e o quanto são
valiosos. Sei também quantos usam e abusam de drogas nas pias de mármore. Sei
de quantas lágrimas verteram nos camarins e nos banheiros. Sei o quão dolorosa
é essa vida de vocês, enquanto mantém a pose de grandes comunicadores,
profissionais privilegiados e admirados na rua, valiosos e idealizados nas
universidades.
Se, de fato, os colegas tivessem compromisso com a justiça
social, o combate à pobreza e à desigualdade, em um mundo mais próspero e
solidário, jamais aceitariam que seus patrões-colegas abusassem como abusam do
poder que têm. No condicional, para fazer como aprendi com vocês, dizem que
eles corrompem, subornam e desviam. Também dizem que eles manipulam, tramam e
chantageiam. E, assim, deixam tudo como está, porque para eles está bom demais
assim.
Entendo o momento que estão passando. As pessoas já não
olham mais com a mesma admiração para vocês. Seus filhos e amigos os questionam
sobre o que vêem na internet e há uma legião disposta a tirar a pele de vocês,
não pelo que são, mas pelo que representa o cubo que carregam no microfone e o
logotipo estampado no carro ( mais uma vez a representação simbólica... ).
Portanto, pensem se não é hora de dizer não. Perguntem aos
colegas se não é o caso de procurar coletivamente a direção para negociarem um
pacto. O que vocês precisam é fazer apenas o bom e velho jornalismo que sabem,
sem ingerências, sem controle, sem manipulação. Afinal, vocês vendem a eles
apenas sua força de trabalho, não aquilo em que vocês acreditam e que pode sim
transformar o mundo num mundo melhor para todos.
Pensem nisso e contem comigo sempre que quiserem desmascarar
seus algozes.
Marco Aurélio Mello, jornalista e blogueiro sujo, com muito
orgulho.
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