Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:
Era previsível que a grande mídia procurasse, de todas as
formas, diminuir as manifestações organizadas pelas centrais sindicais. Mas
fizeram pior: houve um esforço deliberado para denegri-las.
Não é de hoje que a mídia brasileira se assume como um
partido político fundamentalmente antisindical e antitrabalhista.
O rancor da mídia contra sindicatos e centrais sindicais é
fácil de entender. Com todos os seus problemas, eles são a expressão da classe
trabalhadora organizada e constituem o único meio pelo qual os mais pobres
podem ascender a posições políticas importantes.
Nenhum pobre jamais ganhará uma eleição sem apoio sindical.
O núcleo duro de todos os partidos de esquerda é formado por sindicatos,
centrais e movimentos sociais organizados.
Nota-se ainda um esforço, maquiavelicamente calculado, para
criar uma polarização entre as manifestações de junho e as de ontem, 11 de
julho. As comparações numéricas foram sempre no sentido de aumentar as
primeiras e diminuir as últimas.
As manifestações de junho, de fato, foram monstruosas. Mas
as de ontem ocuparam toda a Avenida Rio Branco. Não fosse o ataque covarde dos
fascistas de preto aos manifestantes, cresceria ainda mais.
A mídia gosta de mencionar uma suposta realidade fantástica
que o governo vende à população. Acontece que o governo não tem mídia. Quem
vende uma realidade paralela à população é a nossa TV. Quem vende um mundinho
encantado aos jovens é a TV. Não é o governo. Ao governo interessa, obviamente,
fomentar o otimismo, visto que este é a mola do empreendedorismo, e incentiva o
consumo, para acelerar as vendas e o crescimento econômico. Mas é a mídia que
produz uma imagem esquizofrênica: por um lado, vende aos cidadãos uma
fascinante fantasia de felicidade e consumismo; de outro, faz uma campanha
sistemática contra o país, pintando-o sempre negativamente.
Há um estudo recente – este é um assunto do qual falaremos
em breve – mostrando que a corrupção na sociedade, na esfera privada, é bem
superior à da esfera pública. A corrupção individual, de médicos que faltam ao
trabalho, empresários que sonegam, jornalistas que traficam informação,
executivos que maquiam relatórios financeiros, é igual ou maior do que a de
políticos. Temos ainda a corrupção na burocracia, no Judiciário e no Ministério
Público.
Os cidadãos que protestam contra a corrupção deveriam sair
às ruas com chicotes, flagelando-se a si mesmos, e gritando: Abaixo eu! Abaixo
eu!
De qualquer forma, é apavorante constatar o poder da mídia
de fazer prevalecer sua hegemonia na interpretação dos fatos sociais. Os
jornais e a televisão esconderam acintosamente que a defesa pela democratização
da mídia é uma demanda que constava nas grandes manifestações de junho, e que
foram centrais nas desta quinta-feira.
A deficiência da representação política está ligada
diretamente à questão da mídia. Congresso, Presidência da República, Ministério
Público, STF, apenas são atingidos pelas demandas destacadas pela mídia. Isso é
um erro. Talvez o principal erro da democracia brasileira. As instituições estão
subestimando o que é a principal lacuna da nossa democracia. A mídia deve ser
democratizada para que as demandas dos diferentes setores possam fluir de baixo
para cima no corpo social.
Ontem, aconteceu uma grande manifestação diante da Globo.
Saiu apenas uma notícia de segundos no SP-TV, e mais nada. Não há editoriais.
Merval Pereira, em sua coluna de hoje, menciona o tema de
forma absolutamente cínica e mentirosa:
Pedir uma vaga democratização da mídia , por exemplo, é
simplesmente tentar levar para as ruas a reivindicação de pequenos grupos de
pressão, apoiados por blogs e revistas chapas-brancas, como se fosse uma
aspiração da nacionalidade.
Como não é uma manifestação da nacionalidade? Como assim:
“pequenos grupos de pressão”? A democratização da mídia era uma das principais
bandeiras dos movimentos sociais e centrais que ontem saíram às ruas. Não só
ontem. Nas manifestações de junho, foi uma das demandas mais importantes,
embora expressa de maneira genérica, em cantorias, cartazes e faixas contra a
Globo.
Mas os ministros do STF, o procurador-geral, e os clipeiros
do Congresso e da Presidência, preferem ler Merval Pereira do que ouvir a voz das
ruas.
Que imprensa é essa, que vem abafando um dos maiores
escândalos fiscais do século? Porque nenhum jornal aborda o “mensalão” da
Globo, e seus desdobramentos holliwoodianos? Porque nem a Agência Brasil parece
ter coragem de mencionar o tema? Eu fui entrevistado pela Rádio Nacional
argentina, principal rádio pública daquele país, para falar da sonegação da
Globo. Todos os sites, blogs e jornais alternativos no Brasil têm abordado o
caso. Porque a Agência Brasil e a TV Brasil não entram no assunto? Por que o
sistema público de comunicação sempre fica a reboque da grande mídia?
Tudo bem, a gente está na luta para isso mesmo. Confira o
vídeo abaixo, com cenas da manifestação realizada em frente à Globo. Veja se
isso é coisa de “pequenos grupos de pressão”…
Nada disso. O que vimos ontem, em frente à Globo, foi uma
das maiores manifestações da história brasileira contra uma emissora de TV que
apoiou a ditadura e se consolidou financeiramente durante o regime militar, com
dinheiro dos Estados Unidos. E que até hoje se caracteriza pelo mais abjeto
golpismo. Uma manifestação criativa, jovem, e de massa. E apoiada por milhões
de brasileiros em todo país.
Quem sabe o gigante não esteja, de fato, acordando? Num
primeiro momento, ele se espreguiçou, e espalhou os braços, confusamente,
quebrando tudo ao redor. Aos poucos, porém, começa a lembrar onde está, o que
fez no dia anterior, e seus pensamentos clareiam-se.
Agora sim, a coisa está ficando boa.
PS: A Folha fez uma menção na capa, tão escondido que
demorei muito tempo para descobrir. Mas foi pior que abafar. Distorceu
negativamente. A menção vem numa nota em que se fala dos vândalos de preto no
Rio. E diz que a manifestação foi de “400 black bocs”, quando na verdade foram
duas mil pessoas e com participação de vários movimentos sociais.
Na edição nacional, veio sem foto. Na edição de São Paulo,
teve uma foto de um grupo de mascarados segurando paus. Muito pior que abafar!
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