Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:
Quem abrir os principais jornais do país hoje, quinta-feira,
esquecerá que o partido que governa São Paulo há mais de vinte anos vivencia um
dos maiores escândalos de sua história. No Globo, não há nenhuma menção na
capa, e a única notícia no miolo vem com título: “Alckmin pede pressa no caso
Siemens”. Ou seja, o viés do jornal em relação ao partido acusado de receber
propina é defender o partido. E depois vem falar em isenção.
O governador de São Paulo informa que não afastará os
secretários Edson Aparecido (Casa Civil) e Rodrigo Garcia (Desenvolvimento
Econômico). E nenhum colunista rebate a disposição guerreira de Alckmin com
observações de que a situação deles ficou “insustentável”, nem repercute
comentários da oposição ao governo de São Paulo, como manda o bom jornalismo.
O Globo, aliás, dá a matéria nitidamente de má vontade. Por
ele, esse caso nem existia. A matéria é totalmente feita com frases como
“segundo a Folha de São Paulo” e “segundo o Estado de São Paulo”, o que
significa que a empresa não escalou equipes próprias para cobrir um dos maiores
casos de corrupção da história do país, e que movimentou valores bem superiores
ao chamado “mensalão”. E não sou eu que digo, e sim Suzana Singer, ombudsman da
Folha, em sua última coluna:
“E essa [cobertura do 'trensalão'], que envolve um desvio de
dinheiro bem maior que o do mensalão petista, é uma delas.”
Bem, se o “mensalão” foi o maior escândalo de corrupção da
história do Brasil, segundo o Globo, então o trensalão deve ter sido o maior
das galáxias… Nem isso comoveu Ali Kamel a investir mais na cobertura do
evento. Ele está mais preocupado em processar blogueiros que o chamam de
“sacripanta”. Merval Pereira, então, foge do assunto como o diabo da cruz. Tudo
chibéu mentido a chibante!
No Estadão, cujos repórteres vêm fazendo uma boa cobertura
do caso, nada na capa; no miolo, apenas uma matéria com declarações do
governador sobre a necessidade de uma “investigação rápida”:
Parece até combinado. A Folha segue a mesma linha: título
para o governador defender os seus, nenhum contraponto da oposição ao governo
do estado e, sobretudo, nenhuma informação ou nova denúncia que pudesse
“encorpar” a matéria, conferindo-lhe o peso que um escândalo desse porte
merecia. E quando publica as fotinhas dos “políticos acusados”, a Folha esquece
os dois mais importantes: José Aníbal e Aloysio Nunes.
O editorial da Folha é fofo, a começar pelo título, que é
mais light que chá de hortelã sem açúcar: “Mudança de patamar”. Um trechinho:
Dois membros do primeiro escalão do governo Alckmin (seu
chefe da Casa Civil, Edson Aparecido, do PSDB, e o secretário de
Desenvolvimento Econômico, Rodrigo Garcia, do DEM) e dois deputados (um
federal, Arnaldo Jardim, do PPS, e outro estadual, Campos Machado, do PTB)
agora são acusados de receber propina.
A suspeita em relação aos quatro ainda é preliminar, até
porque decorre, por ora, de um único acusador cujo comportamento tem se
mostrado no mínimo sinuoso.
A principal testemunha de acusação, cujo nome sequer é
citado, agora tem comportamento “sinuoso”. Haja criatividade! Acontece que a
testemunha, que tem nome, Everton Rheinheimer, não é um político querendo se
vingar, como era Roberto Jefferson, que admitiu sentir os “piores instintos”
contra Dirceu. É um alto executivo da mesma multinacional envolvida nos
escândalos. E sua postura está hoje amparada pela própria Siemens, que recebeu
condenações duras em vários países, a começar pela Suíça, e tenta reverter o
dano à sua imagem. O depoimento de Rheinhemer corrobora uma série de documentos,
auditorias, investigações, devassas, em posse das autoridades. Não é um
testemunho, em absoluto, que possa ser desmerecido como “preliminar” ou
“sinuoso”!
A matéria da Folha traz apenas repercussão entre nomes do
próprio PSDB, como se o jornal fosse um mero informativo interno do partido.
O trensalão tem o mérito de desmascarar a imprensa
brasileira. Ela ainda tem alguns bons repórteres dispostos a investigar. Mas a
direção dos jornais, nitidamente, está tentando abafar o escândalo. Espera-se
que o ministro da Justiça, chamado de “vigarista” pelos acusados de receberem
propina do trensalão, não se limite a responder com uma queixa-crime contra
José Aníbal. Não interessa ao Brasil, ministro, apenas a sua questão pessoal.
Agora que o caso está sendo investigado pela Polícia Federal, e foi encaminhado
ao Supremo Tribunal Federal, queremos ver o empenho profundo das autoridades.
Não o mesmo empenho que vimos no caso do mensalão, porque não queremos ver
repetido a postura viciosa e tendenciosa de autoridades submetidas pela mídia.
Se bem que desta vez não haverá pressão midiática.
Não queremos ver ninguém condenado sem provas ou por um
abstrato “domínio do fato”, como fizeram com os réus da Ação Penal 470.
Queremos simplesmente uma investigação séria, seguida de condenações feitas
conforme a lei. E se algum condenado tiver problemas cardíacos, e precisar de
prisão domiciliar, não repetiremos o comportamento psicótico da grande mídia e
seus vira-latas furiosos, sedentos por sofrimento e sangue. Defenderemos os
direitos humanos e que o Estado seja magnânimo e atencioso.
A vingança do campo popular e progressista contra a mídia
conservadora e sádica não será na mesma moeda. Não será uma vingança, aliás.
Será simplesmente uma vitória – limpa, justa e democrática. Que será seguida
por debates profundos sobre a necessidade de assegurarmos mais direitos
informativos aos cidadãos, e menos poder à corporações de mídia sem
comprometimento verdadeiro com valores democráticos e direitos humanos; e uma
reforma constitucional que restabeleça o equilíbrio entre o poder soberano dos
parlamentos contra decisões monocráticas do judiciário.
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