Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Os três principais diários brasileiros de circulação
nacional registraram com zelo a mais recente manifestação do presidente do
Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, que viaja pela Europa em
férias oficiais, com direito a diárias e cobertura regular da imprensa. Desta
vez, o ministro se queixa da Folha de S. Paulo, que publicou entrevista com o
deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que foi condenado na Ação Penal 470 mas não
pode começar a cumprir sua pena porque o presidente do STF não deixou o mandado
assinado. De quebra, atira para todo lado, ao se referir a uma tal “imprensa
bandida”.
O noticiário em torno do magistrado ganha contornos de chanchada,
aqueles velhos filmes feitos na “Boca do Lixo”, em São Paulo, tal o conjunto de
falsos improvisos e dramas capazes de fazer rir.
Observe-se, por exemplo, como o ministro aparece sempre em
situações de aparente casualidade, fazendo compras numa loja de departamentos
típica da classe média, sentado na poltrona da classe econômica de um avião e
caminhando pelas ruas como um cidadão comum. É preciso muita comunicação entre
assessor de imprensa e repórteres para criar esse clima de improviso.
Registre-se que os correspondentes e enviados especiais dos
jornais estão sempre um passo à frente, esperando-o nos embarques e
desembarques, estão informados de que ele chegará em tal lugar a tal hora, e
podem contar que ele terá uma frase de efeito para assegurar um lugar de
destaque na edição seguinte.
Detalhe: embora tenha recebido regularmente suas diárias
como se estivesse a serviço, por conta de palestras que proferiu na França, o
presidente do STF encontra-se oficialmente em gozo de férias, mas a cobertura é
de chefe de Estado.
Também há muita comicidade nos diálogos, ou melhor, nas
falas do ministro, sempre recheadas de expressões fortes e pontuadas por um mau
humor digno do Seu Madruga, o irritadiço personagem da série televisiva
“Chaves”. Se o observador isolar a severidade que as carrancas do magistrado
tentam induzir em suas manifestações, o conjunto apresentado pela imprensa
ganha ares de comédia popular.
Mas jornalistas não deveriam aceitar a imputação geral de
“imprensa bandida”.
Roteiro de chanchada
Vejamos, então, o capítulo apresentado nas edições de
terça-feira (28/1): em outra circunstância “casual” que a imprensa não explica,
o presidente da Suprema Corte declara a jornalistas do Estado de S.Paulo, Folha
de S.Paulo e O Globo que a imprensa não deveria ter publicado entrevista com o
deputado João Paulo Cunha, porque, tendo sido condenado à prisão, o parlamentar
tem que permanecer no ostracismo.
À parte o natural questionamento que deveria se seguir a
essa afirmação no mínimo controversa, não ocorreu a nenhum dos repórteres
observar que o deputado deu a entrevista porque está fora da prisão, e só não
foi preso porque o ministro viajou sem emitir o respectivo mandado.
Afora o fato de que os editores do Estado de S. Paulo
confundem os sentidos das palavras “mandado” e “mandato”, registre-se que o
principal motivo de irritação do ministro foi uma frase do parlamentar
condenado, na qual ele afirma que a omissão do presidente do STF, ao viajar sem
ter assinado o mandado, foi manobra planejada para se manter no noticiário,
mesmo em férias e ausente do país. Foi, segundo o deputado, “pirotecnia para
ter mais dois minutos de repercussão”.
O Estado também cita, mas os demais jornais não tiveram
acesso, ou preferiram ignorar, uma entrevista concedida pelo magistrado à Radio
France Internationale, na qual ele declarou o seguinte: “Há uma certa imprensa
bandida no Brasil, com pessoas pagas com fundos governamentais que estão aí
para me atacar, enquanto eu faço o meu trabalho”.
“Faço o meu trabalho e estou pouco ligando. Minha
honestidade cabe aos brasileiros avaliarem, não a esses bandidos”, completou o
ministro, numa demonstração de que se leva em altíssima conta.
Na interpretação do diário paulista, ele se referia à
denúncia de que estaria recebendo diárias no valor de R$ 14 mil, mesmo em
viagem de férias. O jornal vestiu a carapuça, ao lembrar ter sido o veículo a
revelar a informação sobre as diárias, o que coloca seus editores na obrigação
de responder ao xingamento.
A menos, claro, que os editores do Estado de S.Paulo acolham
a ofensa, e como nas histórias de “amores bandidos”, aceitem apanhar em
silêncio.
Isso também é típico das chanchadas.
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