Autor: Fernando Brito
É impressionante a peça oferecida pela defesa de Marcelo
Odebrecht em resposta ao “pedido de explicações” dirigido ao acusado pelo Juiz
Sérgio Moro.
Claro que a imprensa, como fazem a Folha, Estadão e O Globo
“puxam” para o fato de que não se “apresentou explicações” sobre as anotações
do executivo.
A pergunta obvia é sobre qual o dever de apresentar
explicações sobre fatos que não se constituem, em princípio, em ilícitos e nem
mesmo em indícios de que possam ser ou ter relação com outros dos que o
pretendem acusar.
É nenhum, em qualquer sistema de Justiça que não tenha como
regras as da fábula do lobo.
Mas a dureza da peça vai além.
A comparação da Lava Jato com um “reality show faz uma
evidente comparação com a “Casa do Big Moro Brasil”, onde os participantes
ficam enclausurados, pressionados e monitorados enquanto são preparados para a
ida ao “paredão”, onde disputarão entre si aqueles que serão eliminados ou os que cairão nas boas
graças do público.
A defesa – exercida pelos advogados Dora Cavalcanti Cordani,
Augusto de Arruda Botelho e Rafael Tucherman – aliás, só comenta uma das
especulações servidas para a imprensa: as sobre uma menção a “LJ” e a “ações
B”, como se fossem referências à Lava Jato e a iniciativas extra-legais,
afirmando que se tratam, na verdade, das iniciais do colunista da Veja, Lauro
Jardim e das ações da Braskem, gigante petroquímica controlada pela Odebrecht
em sociedade com a própriaPetrobras.
Mas, de fato, importa menos a defesa técnica e pontual,
porque as acusações não são, em geral, também técnicas.
O texto da Odebrecht é político.
Ao questionar abertamente não apenas as acusações, mas os
métodos empregados para formulá-la e a parcialidade do Dr. Sérgio Moro – afirmando que “parece fazer ouvidos de
mercador” a qualquer argumento da defesa, aos agentes da Polícia Federal e à
Força Tarefa do Ministério Público no caso,
fica claro que a decisão de Marcelo Odebrecht e sua empresa é a de
enfrentamento e não a de se amoldar, via
“delação” , à acusação que recebe.
O que era, aliás, a regra, antes que quatro meses de prisão
“provisória” transformassem a operação num amontoado de delações de parte a
parte, onde uma dúzia e meia de pessoas dizem o que a polícia e o MP querem que
digam.
É claro que nem Marcelo nem sua defesa esperam que argumentos
e questionamentos vão impressionar Moro.
São apenas preparatórios para outras instancias judiciais.
Se nelas vão ter algum sucesso, diante do chantageamento que
sobre todas exerce a pressão midiática é outra história.
Leia a petição da defesa de Marcelo Odebrecht, publicada na
íntegra pelo site Jota, especializado em cobertura de tribunais e veja se não é
mais uma peça de ataque que defesa:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 13ª VARA DA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ
Pedido de Busca e Apreensão Criminal no
5024251-72.2015.4.04.7000
MARCELO BAHIA ODEBRECHT, nos autos do Pedido de Busca e
Apreensão em epígrafe, vem, por seus advogados, respeitosamente à presença de
Vossa Excelência, em atenção ao r. despacho lançado no Evento 437, expor o
quanto segue:
Desde a prisão do peticionário, há mais de um mês, teve
início a caça a alguma centelha de prova que pudesse, enfim, legitimar uma
segregação baseada no nada.
Depois do emprego deturpado da teoria do domínio do fato, da
utilização de uma mensagem eletrônica de quatro anos atrás (que nem foi o
paciente quem mandou e que Vossa Excelência mesmo reconheceu que precisa ser
mais bem investigada), e da transformação da presunção de inocência e do
exercício do direito de defesa em causas de encarceramento, era mesmo de se
imaginar que houvesse uma busca por algo que disfarçasse a colossal ilegalidade
da custódia de MARCELO.
Polícia e Ministério Público Federal engajaram-se na missão
com afinco, e para tanto deixaram a razoabilidade de lado.
O Parquet adotou estratégia tão clara quanto intolerável:
tudo que surgisse relacionado a qualquer executivo de empresas do grupo
Odebrecht seria, automaticamente, imputado também ao requerente. Por tudo,
leia- se tudo mesmo – desde documentos velhos de autenticidade duvidosíssima,
engavetados para serem usados a conta-gotas, até uma artificiosa correlação
entre telefonemas e depósitos bancários lógica e cronologicamente estapafúrdia,
e sempre sem qualquer liame com MARCELO.
A Polícia Federal não ficou atrás. Chegou mesmo a violar o
sigilo da comunicação entre o preso e seus advogados, transformando um bilhete
com tópicos para a discussão de Habeas Corpus – entregues aos defensores por um
agente penitenciário, depois de ter sido a ele passado pelo requerente! – em
uma esdrúxula ordem voltada ao cometimento do que seria o mais impossível dos
crimes: destruir fisicamente aquela mesma mensagem eletrônica, há muito
estampada no relatório policial, no decreto prisional e em dezenas de páginas
de internet Brasil afora.
Já em despacho do último dia 21, Vossa Excelência instou a
defesa a se pronunciar sobre o novo capítulo da tentativa de coonestar a prisão
do peticionário. Dessa feita, a autoridade policial apresentou, em anexo ao
Relatório Parcial do Inquérito 5071379-25.2014.4.04.7000, um relatório de
análise de notas contidas em telefone celular apreendido na residência do
requerente.
Em seu afã de incriminar MARCELO a todo custo, a Polícia
Federal nem se deu ao trabalho de tentar esclarecer as anotações com a única
pessoa que poderia interpretá-las com propriedade – seu próprio autor. Ao
reverso, tomou desejo por realidade e precipitou-se a cravar significados que
gostaria que certos termos e siglas tivessem.
E, mais uma vez, transformou as peculiaridades do processo
eletrônico em sua aliada na tática de atirar primeiro e perguntar depois.
Sabedora de que a livre distribuição de chaves eletrônicas tornou os processos
da Lava Jato uma espécie de reality show judiciário, a polícia lançou no mundo
as anotações pessoais de MARCELO e as tortas interpretações que deu a elas, e
aguardou que fossem quase instantaneamente noticiadas como verdades absolutas.
Houvesse tido a cautela que sua função exige, e a Polícia
Federal teria evitado a barbaridade que, conscientemente ou não, acabou por cometer:
levou a público segredos comerciais de alta sensibilidade em nada relacionados
aos pretensos fatos sob apuração, expôs terceiros sem relação alguma com a
investigação e devassou mensagens particulares trocadas entre familiares do
peticionário, que logo caíram no gosto de blogs sensacionalistas.
Lamentavelmente, a obstinação investigativa e persecutória
de autoridades que atuam na Lava Jato parece ter turvado sua compreensão de que
o país não se resume a um caso criminal. Há indivíduos, famílias, empresas,
finanças, obras e empregos em jogo – no caso das empresas do grupo Odebrecht,
são mais de 160.000! –, que deveriam impor um mínimo de cuidado na análise e
divulgação de documentos e informações por parte dos agentes públicos, ao menos
até que bem esclarecidos seu conteúdo e eventual pertinência com as apurações.
Com a intimação lançada no Evento 437, a defesa até imaginou
que esse MM. Juízo decidira impor alguma ordem às coisas. Não obstante já então
houvesse sinalizado que estava tendente a encampar as desatinadas
interpretações da autoridade policial, ao menos optara por ouvir previamente a
defesa sobre as anotações que, conforme vossas palavras, estavam todas sujeitas
a interpretação.
Todavia, a inobservância injustificada da contagem de prazo
do processo eletrônico para a defesa se manifestar, bem como a iniciativa de
Vossa Excelência – estranha ao sistema acusatório que vigora em nosso país – de
dragar documentos de inquérito que estava com vista ao Ministério Público
Federal para oferecimento de denúncia já faziam prever o que viria.
Um dia depois de conceder o prazo que se esgota na data de
hoje, Vossa Excelência não esperou os esclarecimentos da defesa para decretar
de novo a prisão do peticionário, com fundamento exatamente naquelas anotações
sujeitas à interpretação!
Escancarado, desse modo, que a busca da verdade não era nem
de longe a finalidade da intimação, a defesa não tem motivos para esclarecer
palavras cujo pretenso sentido Vossa Excelência já arbitrou.
Inútil falar para quem parece só fazer ouvidos de mercador.
O peticionário deplora, isso sim, o rematado absurdo de se
considerar anotações pessoais a si mesmo dirigidas, meras manifestações
unilaterais de seu pensamento, como atos efetivamente executados ou ordens de
fato passadas. Ainda que o conteúdo dos registros fosse aquele nascido das
criativas mentes policiais, rematado absurdo, nada indica que eles de algum
modo tiveram repercussão prática, ou seja, que foram de fato implementados ou
determinados a terceiros.
De mais a mais, o relatório de análise condensa anotações
inseridas no campo “tarefas” do programa Outlook ao longo do tempo, umas em
sobreposição a outras, sem qualquer ordem cronológica, muitas delas inclusive
com seu conteúdo cortado automaticamente pelo programa por limitações de espaço
no campo em que digitadas.
Impressiona, igualmente, a dubiedade do discurso de Vossa
Excelência. De um lado, quando intima a defesa, assevera que “tudo está sujeito
à interpretação”. De outro, porém, antes mesmo de ouvir explicações, prende
novamente quem já está preso dando por certo aquilo tudo que estava sujeito a
interpretação!
Isto é: mesmo sem poder assegurar o sentido das anotações, e
muito menos se elas surtiram efeito prático, Vossa Excelência não hesitou em
empregá-las para o mais drástico propósito.
Ademais, esse ínclito Magistrado acabou por encampar o
indecoroso uso que a Polícia Federal fez daquilo que a r. decisão tachou de “o
trecho mais perturbador” das anotações.
Nos dizeres do relatório policial, quando o requerente
escreveu “dissidentes PF”, ele estaria se referindo à Polícia Federal, e teria
“a intenção de usar os ‘dissidentes’ para de alguma forma atrapalhar o
andamento das investigações”. E mais: “se levarmos em consideração as matérias
(grampos na cela, descoberta de escuta, vazamento de gás, dossiês) veiculadas
nos vários meios de comunicação, nos últimos meses, que versam sobre uma
possível crise dentro do Departamento de Polícia Federal, poder-se-ia,
hipoteticamente, concluir que tal plano já estaria em andamento”.
A perfídia é inominável.
Às voltas com denúncias reportadas por seus próprios
integrantes de que membros da Força-Tarefa teriam plantado uma escuta ilegal na
cela de presos, e depois tentado acobertar fraudulentamente esse gravíssimo
fato, o Delegado de Polícia Federal que assina o relatório do inquérito insinua
que por trás disso estaria…o peticionário! E não só desse fato, como também de
um “vazamento de gás” nas dependências daquele Departamento!
Ao que parece, quem tem um “plano em andamento” é uma
parcela da própria Polícia Federal: expiar seus aparentes pecados à custa de
MARCELO, para tanto subvertendo o sentido de palavras e adivinhando o
significado de siglas na forma que lhe convém.
Aliás, será que Alberto Youssef, que desfruta de infinita
credibilidade perante a Polícia, Ministério Público e esse MM. Juízo Federal,
também faz parte do “plano em andamento” levianamente atribuído ao requerente?
Afinal, não custa lembrar que foi o eterno delator quem
revelou a existência da escuta em sua cela, e afirmou categoricamente que sabia
estar sendo monitorado desde o primeiro dia de prisão pela escuta que a Polícia
Federal, até hoje, afirma que se encontrava desativada àquele tempo…
Ora, uma leitura minimamente neutra das anotações
selecionadas pelo agente policial que figurou como analista destacaria também as
inúmeras passagens que revelam a preocupação do peticionário em esclarecer
sociedade e mercado, além de dar guarida a medidas de investigação independente
e de apuração interna (Evento 124, Anexo 11, pp. 3, 4 e 8, por exemplo).
Preferiu-se, entretanto, tomar “LJ” por Lava Jato ao invés
de Lauro Jardim, e “ações B” como providências do submundo, e não como alusões
justamente à nota sobre a auditoria interna da Braskem publicada na mesma
coluna:
Economia – Nova postura
Desde que as investigações, grampos, depoimentos de presos e
delações premiadas foram envolvendo a Odebrecht na roubalheira da Petrobras, a
empresa manteve uma postura imutável: negava tudo em comunicados escritos em
tom peremptório, beirando o raivoso. Foram dezenas de textos escritos neste diapasão.
Agora, há algo de novo no ar. A Braskem, sociedade entre a
Odebrecht e Petrobras, mandou à CVM um comunicado em que “à luz das alegações
de supostos pagamentos indevidos para seu favorecimento em contratos celebrados
com a Petrobras “, admite que “deu início a um procedimento de investigação
interna”.
Certamente, não por vontade própria, mas por uma obrigação
com o mercado de ações – não só brasileiro, pois a Braskem tem também ADRs
negociadas na Bolsa de Nova York.
Informou também que contratou “escritórios de advocacia no
Brasil e nos EUA com reconhecida experiência em casos similares para conduzir a
investigação”. Não disse, porém, que escritórios são esses.
Por Lauro Jardim
Tags: Braskem, Lava-Jato, Odebrecht
Braskem: investigação interna
Enfim, uma vez oferecida a denúncia, e porventura recebida
em parte ou na sua integralidade, cumpre respeitar-se daqui em diante o rito do
Código de Processo Penal, reservando-se o interrogatório do acusado para o
final da instrução.
Esse o contexto, além de lamentar que o empenho em se lhe
aplicar pena sem processo tenha chegado a esse ponto, o peticionário requer o
imediato desentranhamento dos autos do inquérito policial de informações, notas
ou conversas privadas que não possuam relação com o caso, de modo a evitar a
indevida exposição de terceiros alheios à apuração.
Requer ainda seja prontamente determinado à Polícia Federal
que se abstenha de lançar, neste ou em quaisquer outros autos do sistema e-
proc, documentos físicos ou eletrônicos sem prévia definição de pertinência com
o objeto dos autos. Na eventual impossibilidade de assim se proceder, de rigor
sejam gravados daqui em diante com grau mais elevado de sigilo os documentos
carreados para os autos, na medida em que o nível atual de sigilo do processo
eletrônico em tela não tem logrado impedir reiterados vazamentos na imprensa.
Termos em que,
Pede deferimento.
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