Síntese da intervenção de Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois, no colóquio sobre o significado da Revolução de 1930.
por Renato
Rabelo
Publicado 13/10/2020 08:04 | Editado 12/10/2020 23:06
Renato Rabelo
A partir da
Revolução de 1930, sob a liderança de Getúlio Vargas, baseado no ideário
nacional-desenvolvimentista — aperfeiçoado em seu 2º governo — foram marcantes
as transformações da economia brasileira. Neste período foi quando se
desenvolveu a industrialização brasileira, essencialmente sob controle
nacional. Leia mais abaixo
Essas
transformações seriam responsáveis por uma longa trajetória de expansão da
economia brasileira, que duraria 50 anos, operando-se às maiores taxas de
crescimento no mundo capitalista da época. Crescimento similar somente
ocorreria a partir da década de 80 na República Popular da China.
Além do
aspecto propriamente econômico, o caráter social da legislação trabalhista —
que passou a vigorar para proteger e valorizar o trabalho — somou-se a um
efeito econômico evidente: melhorou o poder de compra dos trabalhadores,
dinamizando fortemente o mercado interno.
As Reformas de Base
de João Goulart constituíram o momento culminante desse processo histórico:
foram implementadas oito reformas estruturais. A sua execução completaria a
formação da Nação e do Estado nacional brasileiro – barrado com o golpe miliar
de 1964.
I – A
partir da década de 1980 o Brasil embotou o crescimento econômico – a
relação de dependência se agravou.
A partir do final
da década de 1970, começa um ciclo declinante de crescimento econômico no
Brasil, de desenvolvimento nacional em geral contido, do aumento da
desigualdade social e da pobreza.
A agenda econômica,
centrada no ajuste fiscal, somou-se depois à abertura econômica e à
desregulamentação financeira. O objetivo principal do ajuste fiscal num
primeiro momento (Gov. General Figueiredo 1980/ Delfim Netto) era de reunir
dólares para pagar os juros da dívida externa. E, num segundo momento, desde
1990, juntar recursos para pagar juros da dívida pública.
Na origem,
estão, portanto, os blindados interesses dos credores externos e dos rentistas
financeiros, de dentro e fora do país, o que foi agravado pelo fenomenal avanço
da desnacionalização da economia do país. Este fenômeno tem resultado na
drenagem de grandes recursos para o exterior, na superexploração da força de
trabalho e no estreitamento do mercado interno.
Trata-se do círculo
vicioso, um impasse não resolvido, gerando assim uma crise estrutural
caracterizada aparentemente pelo esgotamento do padrão dependente de reprodução
do capital em nosso país – Em síntese, uma crise estrutural do capitalismo
dependente no Brasil.
E mais, essa crise
promove a monopolização crescente da economia brasileira e o desenvolvimento do
agronegócio pela junção entre capital financeiro, capitais transnacionais e
grandes proprietários de terra, que se apropriam de um superlucro.
O curso dessa crise
se manifesta concretamente: 1) com o débil e precário crescimento econômico; 2)
com períodos de estagnação, recessão e “décadas perdidas”; e 3) marcado pelo
retrocesso, com a desindustrialização e a reprimarização da economia.
Tudo isso ocorre,
provocado e agravado no Brasil por uma política macroeconômica
anti-desenvolvimento que prevalece. Orientada então, pelo sistêmico ajuste
fiscal e implantação do tripé econômico, responsável pela tendência de juros
altos, câmbio apreciado por longo período; medidas estas, que aprofundaram a
dependência, a desnacionalização, a financeirização da economia e a
desindustrialização.
Não há dúvida
de que nos governos Lula e Dilma houve significativas conquistas sociais,
redução relativa da pobreza, aumento real do salário mínimo, defesa da
soberania nacional, grande investimento na infraestrutura, esforço pela
integração regional, superação do aval e da submissão do país ao FMI, relativa
estabilidade econômica e formação de um colchão de apreciáveis reservas
cambiais.
“Após a queda de
Dilma, a dependência se exacerbou com toda sua decorrência.”
Contudo, o
exíguo segundo governo Dilma transcorreu em crise — já iniciada desde junho de
2013 — quando a presidenta foi destituída em 2016 por um forçado impeachment,
conduzido por setores políticos e judiciários dominantes, com apoio externo dos
EUA.
Neste período,
apesar de mudanças e conquistas significativas, a essência do capitalismo
dependente não foi superada; prevaleceu a hegemonia financeira globalizada e a
política central do ajuste fiscal e sua decorrência com o tripé econômico. Após
a queda de Dilma, a dependência se exacerbou com toda sua
decorrência.
Ademais, novas
características da relação de dependência tomam maior dimensão, com a
globalização neoliberal, e o capitalismo financeirizado; quando maiores
recursos giram na esfera financeira e, esta, captura todos os setores
econômicos em detrimento da produção. Com a super exploração e precarização da
força de trabalho e consequente diminuição do mercado interno; além da nova
ofensiva agressiva do imperialismo, sobretudo dos EUA, para relançar sua
hegemonia.
O impacto de toda
essa situação no âmbito nacional e global, que alimenta uma crise estrutural no
Brasil, tem raízes nas várias formas de dependência, contribuindo para isso, o
status neocolonial atual, que onera ainda mais essa situação.
II – Uma passagem
d’olhos: a experiencia desenvolvimentista na Ásia contrasta
inteiramente com curso brasileiro e o latino-americano
Há consenso entre
economistas que o Leste Asiático, sobretudo a Coreia do Sul, desde 1960 e a
China pós-reformas de 1978, são casos de sucesso de superação do atraso,
atingindo extraordinário desenvolvimento. No caso da Coréia houve ajuda e
beneplácito dos EUA em função dos seus estritos interesses geopolíticos na
região, o mesmo aconteceu com Taiwan.
No caso específico
da China, o Estado revolucionário chinês internaliza o Estado
desenvolvimentista de tipo asiático. Desde então a China se torna a fusão de
dois Estados: o revolucionário com o desenvolvimentista. A diferença nestes
casos é que enquanto Coréia do Sul, Japão e Taiwan foram privatizando as
empresas estatais e, sob pressão americana, valorizando suas taxas de câmbio e
abrindo seus sistemas financeiros.
A China fez o
movimento contrário: fortalecimento do setor público da economia, manutenção de
uma trajetória de desenvolvimento fora dos esquemas geopolíticos dos EUA e
seguiu uma estratégia socializante.
Mas, mesmo assim,
seria de bom proveito analisar e estudar o exemplo coreano. Não dá para
simplesmente reduzi-lo a uma colônia americana. Ali, eles deram curso a uma bem
elaborada estratégia de desenvolvimento baseada em grandes conglomerados
nacionais voltados ao estado da arte da 4a Revolução
Industrial.
Ao contrário, na
América Latina, o processo de crescimento entrou em colapso desde a crise da
dívida do México de 1982. No quadro dessa crise os países latino-americanos
adotaram agendas em conformidade com o Consenso de Washington, acentuando a
abertura da conta financeira e submetendo-se às taxas de câmbio determinadas
pelo mercado.
Desmontou assim, o
regime de política econômica desenvolvimentista que havia caracterizado sua
industrialização nas quatro décadas anteriores e entraram em um processo de
desindustrialização (re)primarização de sua pauta de exportação.
A abordagem
“novo-desenvolvimentista” (de um grupo economistas constituído desde início
deste século) é uma tentativa de explicar em termos teóricos ao mesmo tempo a
experiência do Leste Asiático e a interrupção do processo de desenvolvimento na
América Latina a partir dos anos 1980.
Situo brevemente
alguns pontos em comum dessa experiência asiática: 1) A importância da
centralidade do papel do Estado nacional na coordenação e elaboração das
políticas industriais como meios de execução das estratégias nacionais de
desenvolvimento; 2) A formação de conglomerados empresariais estatais e
privados em conexão com sistemas financeiros nacionais; 3) A formação de
burocracias com alto grau de instrução comprometidas com o projeto nacional; 4)
O papel fundamental do Estado e dos bancos públicos de desenvolvimento no
enfrentamento do problema do “financiamento do desenvolvimento”.
Estratégia do
desenvolvimento:
1) Exportação
orientada para industrialização; 2) A importância da adoção de juros baixos;
3) A centralidade da taxa de câmbio competitiva para garantir o desenvolvimento
econômico; 4) As entradas e saídas do capital não foram deixados ao sabor
do mercado, mas controlados; 5) Taxas de juros pagas pelo Estado foram mantidas
abaixo da taxa de crescimento, não deixando ao talante do mercado, mantendo o controle
da dívida.
A orientação e a
estratégia do desenvolvimento estão essencialmente sob a condução nacional do
Estado, numa clara mostra de manutenção da independência econômica. Portanto,
caminho e estratégia completamente incompatíveis com as aplicadas no Brasil.
III – O
pensamento nacional-desenvolvimentista tem sua atualidade no Brasil, e
precisa ser recuperado e aplicado na contemporaneidade.
A alternativa das
forças de oposição mais consequentes e progressistas está hoje no confronto com
a ordem dominante, galvanizada por forças de extrema direita, conservadoras e
fascistizantes.
“Qual a
alternativa que supere a crise estrutural e retome o desenvolvimento de modo
consistente no Brasil?“
Contudo, as
respostas imediatas e emergenciais não devem se esgotar apenas em travar a
justa luta pela vida, pela democracia, pelo emprego e pela retomada do
crescimento econômico. Seguem adiante, elas vão além da pós-pandemia e já devem
se relacionar com um projeto de longo prazo para nosso país.
Portanto, a questão
é: qual a alternativa que supere a crise estrutural e retome o desenvolvimento
de modo consistente no Brasil. Ou seja, como recuperar a experiência histórica
no enfrentamento da dependência, nas condições atuais. Sobretudo, em um país de
extensão continental, com vasto recurso material, variados e extensos biomas,
contando com capacitado corpo de cientistas e técnicos e grande população
economicamente ativa.
Desde 2008, faz
parte do Programa do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a recuperação,
elaboração e atualização do ideário nacional-desenvolvimentista, consignado na
proposta e na defesa de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPND).
Este Projeto é compreendido no Programa como o caminho brasileiro para o
socialismo.
A totalidade do
Programa, a sua síntese consiste na divisa: “O fortalecimento da Nação é o
caminho, o Socialismo é o Rumo”. Portanto, o caráter do Programa, seu objetivo
maior é a transição do capitalismo ao socialismo nas condições do Brasil e do
mundo contemporâneo.
No entanto, diante
da realidade concreta do curso histórico brasileiro e da ordem mundial em
curso, não há passagem direta do capitalismo ao socialismo. O nosso Programa
assinala que o “desafio da contemporaneidade” para os países submetidos de
forma dependente na divisão internacional do trabalho (“países em via de
desenvolvimento”) é a construção e aplicação de um projeto nacional de novo
desenvolvimentismo.
Desse modo, o meio,
o caminho para alcançar esse objetivo maior em nosso país consiste no
delineamento e execução de um hodierno projeto nacional de desenvolvimento, ou
seja, a luta pela escolha autônoma do seu próprio caminho de desenvolvimento.
Neste Projeto ocupa uma centralidade a solução da questão nacional, sendo esta,
um pressuposto para o próprio desenvolvimento nacional, avanço da democracia e
do progresso social.
Por quê? Somos uma
nação na periferia (ou semiperiferia) do sistema internacional, submetida à
dominação da hegemonia imperialista na forma de neocolonialismo
financeiro-econômico-tecnológico-cultural; e que impõe sua ordem econômica
neoliberal, que tem seu apoio em forças dominantes internas. É preciso tanto se
livrar dessa ampla dominação sobre a nação, que agrava a dependência, quanto é
necessário alcançar o desenvolvimento pleno e desimpedir o avanço da democracia
e do progresso social.
Vejam o que
asseverou o eminente cientista Nelson Werneck Sodré: “a conclusão da construção
da nação brasileira é uma etapa insubstituível para a construção do socialismo
no país”.
E acrescento. Não
basta o desenvolvimento das forças produtivas, para alcançar de fato a
independência plena e a condução nacional do projeto. É preciso a mudança da
ordem política, econômica, social e cultural. Crise estrutural exige mudança
estrutural.
Por isso,
para esse projeto se tornar consequente, independente, soberano e autônomo, é
impossível se manter indefinidamente nos marcos do capitalismo, sobretudo do
capitalismo dependente, periférico. Outra transição, a transição socialista é
necessária.
Sem dar esse passo
histórico, o Brasil não sai do círculo vicioso estrutural da dependência, com a
marca neocolonial contemporânea. Essa é a essência estratégica do Programa
defendido pelo PCdoB. Em função disso assume um lugar primordial a recuperação,
atualização e elaboração do ideário nacional-desenvolvimentista.
Notas
A Intervenção teve
como referências:
Estudos e dados
sobre novo projeto nacional de desenvolvimento da Fundação Mauricio Grabois.
Pensamento
Nacional-desenvolvimentista, organizado por Nilson Araújo, para a Cátedra
Claudio Campos da Fundação Mauricio Grabois.
Estratégias
novo-desenvolvimentistas: China e Creia do Sul, Bresser Pereira, Elias Jabbour
e L. F. de Paula. Revista Princípios 159 JUL/OUT 2020.
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