Experiências similares e bem sucedidas acontecem em várias democracias maduras.
por Márvia Scardua, Rodrigo de Carvalho
Publicado 05/12/2021 13:47 | Editado 05/12/2021 14:51
Congresso Nacional
A democracia
liberal e ocidental, do qual se encaixa o sistema político brasileiro, é
definida pela compreensão do exercício das disputas políticas na sociedade,
resolvidas por meio de um processo reconhecido pelos grupos políticos que
disputam o poder, vencendo a contenda quem obtiver a maioria dos votos
(SCHUMPETER) em escrutínio universal com ou sem a obrigatoriedade de
participação do processo eleitoral. Portanto, uma das premissas fundamentais
para o pleno funcionamento da democracia liberal é o reconhecimento por parte
dos partidos, dos meios jurídicos, da sociedade em geral, das regras do jogo,
expressadas nas disputas eleitorais.
Evidente que a
democracia não se resume a eleições ou disputas eleitorais, mas nesse sistema,
a legitimidade do poder político se dá através desse processo. O pleno
funcionamento das instituições, da liberdade dos meios de comunicação (ainda
que se destaque os monopólios e concentração das mídias), das livres
manifestações políticas, dos direitos sociais e individuais, combina o
arcabouço de ações que fortalecem o funcionamento democrático.
O Brasil modifica
sua legislação eleitoral com extraordinária frequência, se considerar a
reconstrução democrática a partir da Lei da Anistia e o retorno das lideranças
políticas de oposição à Ditadura Militar, foram pelo menos 35 modificações
legais de impacto eleitoral entre reformas políticas e leis específicas
aprovadas no Congresso Nacional, decretos e decisões em âmbito do TSE e STF e
decretos de presidentes da República (SCÁRDUA). Nesse escopo se encontram
regras de mudanças conjunturais que serviram para uma única eleição, com a
verticalização de coligações em 2002 e decisões estruturantes como o
Presidencialismo ante o Parlamentarismo. Nesse levantamento não está computado
o novo Código Eleitoral, discutido e aprovado na Câmara dos Deputados em 2021 e
ainda em tramitação no Senado Federal.
Das últimas
mudanças aprovadas está a lei 14.208 de 2021 que institui as Federações
Partidárias no sistema político brasileiro. Uma mudança estruturante e da maior
importância, capaz de modificar o cenário político e eleitoral. Há no STF, um
questionamento do PTB sobre a legalidade das Federações diante de outra regra
aprovada, a do fim das coligações proporcionais e a cláusula de desempenho dos
partidos. E há a manifestação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
questionando a tramitação do projeto. Contudo, circula uma minuta do TSE em que
regulamenta o funcionamento das Federações e as ações questionadoras não
parecem ter fundamento e possivelmente não irão adiante.
As Federações
partidárias significam uma nova e moderna forma de organização de grupos
partidários, experiências similares e bem sucedidas acontecem em várias
democracias maduras. A seguir dialogaremos com algumas dúvidas e
questionamentos sobre essa novidade política.
O primeiro e mais
importante questionamento é o que o PTB utiliza como centro de seu argumento
para tentar impedir o funcionamento das Federações, a que está transvestida de
coligação proporcional proibida em emenda constitucional. Federação e coligação
proporcional são duas entidades legais distintas: a coligação estendia a
aliança política de grupos partidários para o desempenho proporcional, que tem
sua justificativa a partir da unidade através do apoio majoritário, determinado
grupo se une e alcança objetivos comuns expressados no Parlamento; as
Federações são unidades de grupos tendo dois ou mais partidos estabelecidos com
ações, estatuto e programa próprios por, no mínimo, quatro anos. As federações
formam uma única instituição preservando as respectivas identidades políticas
de cada ente federado e essa é a principal diferença em relação à outra
modalidade legal, a fusão partidária, que nesse caso passa a ser outro partido.
As alianças políticas permanentes são facultativas e a sua identidade e
funcionamento são determinados pelos entes federados.
O segundo argumento
contra a existência das Federações é que esse modelo preserva os pequenos
partidos e seus representantes no Parlamento assim como as coligações
proporcionais representaram até 2018. Portanto, um retrocesso político na
organização partidária no intuito de diminuir a quantidade de partidos no
Brasil. Nesse caso, não há tese jurídica sustentável, mas argumentos da ordem
política e moral.
Sob o aspecto
político é falso o argumento que somente os pequenos partidos se beneficiaram
do sistema de coligação proporcional e que serão os únicos a se beneficiarem
das Federações. Em breve estudo sobre as eleições proporcionais, com exceção do
PT e do PSL, que fizeram as duas maiores bancadas de deputados federais, todos
os outros partidos se beneficiaram de coligações constituindo suas bancadas. Ao
recortar a análise do desempenho eleitoral de quatro partidos médios, PSDB com
29 deputados eleitos; PSB com 30 deputados eleitos; MDB com 34 deputados
eleitos e PRB (hoje Republicanos) com 30 deputados eleitos, podemos dizer que
todos esses partidos se utilizaram da tática de coligação proporcional na
maioria dos estados brasileiros. O PSDB conseguiu eleger 10 deputados através
da coligação proporcional; o PSB precisou da coligação para eleger 11
deputados; o MDB também teve acrescido outros 11 deputados pela coligação e o
PRB/Republicanos 14 deputados foram eleitos nesse modelo. Portanto, um terço
das bancadas do PSDB, MDB e PSB e quase metade da bancada dos Republicanos
foram constituídos por coligação proporcional.
Sob o aspecto
moral, fica o julgamento se muitos partidos devem continuar existindo. O
principal argumento para a diminuição da quantidade de partidos é que isso
prejudica o funcionamento das democracias. Se perguntado onde prejudica
democracia possivelmente haverá muitas respostas e nenhuma sustentável. A
principal delas diz respeito ao funcionamento do Parlamento, uma quantidade
grande de representações partidárias impede os acordos e votações. Nada mais
falso!
Falso por alguns
motivos: (1) são os pequenos partidos que determinam as pautas no Congresso
Nacional? (2) são os pequenos partidos que determinam os ritmos de votação em
Plenário? (3) são os pequenos partidos que impedem as votações de interesse do
Executivo? (4) são os pequenos partidos que travam o funcionamento legislativo,
como comissões?? Não em nenhum dos casos. As pautas gerais, o rito de votação,
os interesses do Executivo e o funcionamento das comissões e outros
procedimentos são determinados pelos grandes partidos. Os pequenos partidos têm
direito às articulações políticas e, sobretudo, ao direito a parlar, curiosamente
a origem do termo Parlamento.
Ainda sob o aspecto
moral, dirão que os pequenos partidos gastam muito com o sistema partidário e
os gastos do Fundo Partidário. Enquanto os grandes partidos têm recursos na
ordem dos duzentos milhões de reais, os médios em torno dos cem milhões reais,
os demais terão direito a trinta ou menos milhões de reais.
Então dirão, mais
uma vez sob o aspecto moral, não há tanta ideologia diferente para a quantidade
de partidos. Sim, possivelmente, mas há programas, arranjos locais e nacional
reais e a principal missão do partido, o alcance do poder político que faz a
disseminação sob a legitimidade programática para o funcionamento de cada um
deles (DUVERGER).
E ainda sob o
aspecto da quantidade de partidos, a Federação traz o benefício do enxugamento
para aqueles que o consideram imprescindível para o funcionamento da
democracia.
As Federações
Partidárias são uma realidade no novo contexto eleitoral brasileiro e trará
avanços reais para a nossa jovem democracia. Não serão capazes de corrigir
erros históricos e nem determinar resultados eleitorais a favor desse ou
daquele grupo político, mas serão uma ferramenta de construção de unidades
políticas em torno de coesões programáticas entre blocos históricos (GRAMSCI).
Enquanto isso,
lutemos pelo pleno funcionamento de nossa democracia!
Referências
BRASIL. Lei
14.208. In: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.208-de-28-de-setembro-de-2021-348249890
DUVERGER,
Maurice. Os partidos políticos. Zahar Editores. Rio de Janeiro:
1970.
GRAMSCI,
Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Civilização
Brasileira. São Paulo: 1991.
SCÁRDUA,
Márvia. Regras eleitorais e participação democrática: a cláusula de
desempenho e os partidos no Brasil. TCC (Graduação em Direito) – Centro
Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). São Paulo, 2019.
SCHUMPETER, Joseph
A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Editora Fundo de Cultura.
Rio de Janeiro: 1961.
Fonte: Portal A
Terra é Redonda
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