Analista internacional diz que morte de Berlusconi e judicialização contra políticos de extrema-direita são duro golpe numa força política que ainda influencia eleições.
por Cezar Xavier
Publicado 16/06/2023 08:34 | Editado 17/06/2023 10:33
Bolsonaro no Brasil e Trump nos EUA são beneficiários de Berlusconi na
Itália.
Duas décadas antes
de Donald Trump, Silvio Berlusconi, morto no último dia 12, já usava seu
sucesso empresarial como trunfo eleitoral, a vitimização contra os juízes como
instrumento de mobilização, ataques caricatos às elites culturais como força
aglutinadora e o domínio dos códigos comunicacionais para reduzir a política a
uma sucessão de controvérsias, para usar como cortina de fumaça. Antes das
redes sociais, o manual da extrema-direita já estava todo escrito por um
italiano.
Antes de Donald
Trump, Boris Johnson, Jair Bolsonaro ou Viktor Orbán, Berlusconi já
expressava seu ódio ressentido às mulheres, e deixava sua marca como polemista,
e nada mais. Há quem o admire por ter sido capaz de fazer tudo que se faz hoje,
mesmo antes de existirem os algoritmos e bolhas virtuais, dos quais Trump e
Bolsonaro são tão dependentes.
Berlusconi foi o
primeiro a normalizar e empoderar gente ignorante e violenta no governo e no
parlamento, militares caducos, jovens racistas, machistas e conservadores
expressando abertamente suas opiniões asquerosas na mídia, entre tantos outros
personagens que estavam escondidos nos esgotos da história. Ele próprio disse:
“Fomos nós que legitimámos a Liga e os fascistas”, referindo-se às gangues
reacionárias que tomaram o poder na Itália. Até então, havia um escudo
antifascista unânime na política italiana.
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Berlusconi, o “antipolítico” das mãos sujas
Foi essa gigantesca
operação de marketing que transformou o homem mais rico e elitista da Itália
num homem do povo. Mesmo não moralizando coisa alguma e destruindo a coesão
social de seu país, ele continua sendo mito para muita gente. Sua trajetória é
mergulhada em casos de corrupção, escândalos sexuais e frases racistas. Ao
todo, ele enfrentou 35 processos criminais, mas obteve apenas uma condenação
definitiva. Estava dada a dica para monstruosidades como Bolsonaro, Trump,
Duterte ou Orban.
Aurora da
democracia
Mas, a morte de
Berlusconi tem sido um crepúsculo melancólico para a extrema-direita, que fica
sem um herdeiro à altura na Itália, e, conforme se avolumam acusações,
julgamentos e condenações a Donald Trump nos EUA. Por aqui, Bolsonaro vai se
recolhendo à sua insignificância, e, pelo mundo, o povo vai perdendo a ilusão
nos políticos populistas que agitaram as redes sociais nos últimos anos com
promessas que mudaram tudo para pior.
Em entrevista
ao Portal Vermelho, a especialista em Relações
Internacionais, Flávia Loss Araújo (FESPSP), avalia os rumos da
direita internacional frente aos revezes que vem sofrendo nos últimos meses.
Para ela, de fato, a morte de Berlusconi e a possibilidade de prisão de Donald
Trump “são golpes duros ao crescimento da extrema-direita”. “Observa-se um
freio à essas tendências”, diz ela, referindo-se ao populismo à beira do crime
e da ilicitude que estes políticos praticam.
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Berlusconi e a luta da Itália contra o seu passado fascista
Flávia ressalta que
Berlusconi já trazia várias dessas características do modo de fazer política e
se comunicar com a população “de um jeito muito tosco, mas também simples. Um
bufão da política italiana que era muito ridicularizado na política
internacional, mas que cativou uma grande parcela da população italiana. Muitos
deles ainda se manifestam de luto pela memória de Berlusconi, considerando ele
um grande estadista”, diz ela.
Fratura social
Em sua opinião, a
política segundo Berlusconi trouxe danos em vários níveis à Itália, mas também
antecipou tendências em campos como a comunicação política. “Isso antes das
redes sociais!”.
Depois dele, outros
políticos foram muito além de suas práticas, avalia a especialista. “Ele ainda
tinha um certo trato com o mundo da política, da diplomacia internacional.
Trump é muito mais grosseiro, com um marketing mais agressivo, já fazendo uso
das redes sociais”, compara.
Flávia considera
que, embora se percebam os “efeitos benéficos da Justiça indo atrás dos
mal-feitos desses políticos”, na consciência das populações, a disputa política
encontra sociedades fraturadas. “Não podemos esquecer, que, em todos os países
que viveram este avanço da extrema-direita, como o Brasil, ficou uma marca
profunda de cisão na sociedade”, analisa.
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tenta politizar os crimes que cometeu visando 2024
Como o Brasil e os
EUA, na Itália, de uma certa forma, esse ambiente de fratura e falta de rumos é
evidente, conforme não se encontra um caminho que supere o modelo político de
Berlusconi. “A extrema-direita italiana também está fortalecida na figura do
Matteo Salvini [vice-premiê] e da própria Georgia Meloni [premiê], que chegam
ao poder surfando nessa onda conservadora”.
Reação e
resistência
O maior prejuízo,
portanto, na opinião da analista é essa ruptura na sociedade, com polarização
enorme que alimenta esse tipo de político. Para ela, as próximas eleições ainda
vão estar sob a influência desta corrente política.
“Mesmo que esses
políticos faleçam ou sejam presos, a cisão que provocaram tem um efeito perene
na sociedade. A cada eleição se observa a extrema-direita se fortalecendo. Não
se sabe para onde iriam os eventuais votos de Donald Trump, ainda”, pondera.
Flávia considera
que o maior legado desses políticos foi provocar uma ruptura no tecido social,
que coloca as pessoas em lados antagônicos, disputando de maneira raivosa sua
ideologia política. “Uma ideologia nociva que visa a destruição da política,
porque sua linguagem é da antipolítica”, diz.
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suspende Cimeira Mundial após cerco a Bolsonaro e Trump
Este cenário
fraturado tem sido o maior desafio da esquerda, que precisa unir a sociedade em
torno de valores progressistas. Em vez disso, precisa defender bandeiras
humanistas como direitos humanos, políticas sociais, serviços públicos e o
próprio estado, da sanha predatória do neoliberalismo sob roupagem neofascista.
”As forças democráticas ainda têm dificuldade de reagir e lidar com esse
legado”, diz ela.
Outro aspecto que
garante a perenidade desta mentalidade reacionária é a celeridade dos avanços
tecnológicos, em ritmo de blitzkrieg, que não dá tempo à democracia para
absorvê-las e controlá-las. “É preocupante como essa máquina das fake news
representada pelos algoritmos e, agora, a inteligência artificial, não parou e
só avança”, comenta.
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