A República começou de forma excludente. No fim do século 19 e início do 20, pobres, negros, indígenas e mulheres foram deixados à margem do projeto de uma sociedade dita moderna
por Rafael de Carvalho
Cardoso - Agência Brasil
Publicado 15/11/2023 14:10
"Proclamação da República", 1893, óleo sobre tela de Benedito
Calixto (1853-1927)
No fim do século 19
e início do 20, pobres, negros, indígenas e mulheres foram deixados à margem do
projeto de uma sociedade dita moderna.
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República
“Foi um projeto da
elite agrária cafeeira e dos militares que voltaram vitoriosos da Guerra do
Paraguai. A junção dessas elites, que acionam o Marechal Deodoro para a
Proclamação da República, acaba excluindo boa parte da população brasileira”,
explica a historiadora Camilla Fogaça, integrante do Coletivo Historiadores
Negros Tereza de Benguela.
“A concepção de
República era elitista e liderada por setores militares e positivistas
influenciados pelo pensamento científico europeu do final do século XIX. Ela
primava pela exclusão das parcelas pobres e dos negros. Nesse conceito de
sociedade não caberia aos mestiços e aos negros ocuparem espaços de poder. Não
é um projeto de Estado com uma democratização ampla”, reforça o historiador
Vantuil Pereira, professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em
Direitos Humanos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(NEPP-DH/UFRJ).
Forças unidas
A Proclamação da
República foi, portanto, um processo liderado por três forças: uma parcela do
Exército, fazendeiros do oeste paulista e representantes das classes médias
urbanas. Desde a década de 1860, o Império passava por mudanças na estrutura política,
econômica e social que o enfraqueciam, como a guerra do Paraguai, o movimento
abolicionista, fundação de partidos republicanos e fortalecimento do
positivismo.
O líder militar do
movimento de 1889 foi o Marechal Deodoro da Fonseca, que antes era monarquista.
Com a vitória republicana, Dom Pedro II e a família imperial foram obrigadas a
se exilar na Europa. Apesar da hegemonia branca e masculina, houve protagonismo
de um homem negro, o jornalista e vereador José do Patrocínio, que tomou a
iniciativa de ler uma moção pública abolindo a monarquia na Câmara Municipal do
Rio de Janeiro no dia 15 de novembro.
Mas, no que diz
respeito ao centro das decisões políticas posteriores, predominaram as mesmas
configurações raciais e de gênero que norteavam os rumos da monarquia no
período anterior. A historiadora Camilla Fogaça destaca, por exemplo, a
exclusão das mulheres nessa nova ordem sociopolítica.
“Dois anos depois
da Proclamação da República, temos a Constituição de 1891. E ela já começa
excluindo a participação das mulheres no voto. Esse voto só vai ser conquistado
na década de 30 na Era Vargas. E assim mesmo há todo um processo de jogar a
figura feminina para o ambiente familiar e isolar a participação política. Como
se ela não pudesse integrar outro lugar que não fosse dentro de casa e na
posição de cuidado”, diz a historiadora.
Outros mecanismos e
leis ajudaram a hierarquizar os direitos políticos e civis nas primeiras
décadas da República.
“Uma série de
instrumentos restritivos estava em curso. Exemplo é o código criminal que vai
ser aprovado entre a República e o Império, que limitava a circulação urbana e
criminalizava a vadiagem. Há também a questão da perseguição aos capoeiras. São
processos restritivos e penais, que atingiam especialmente negros e pobres”,
diz Vantuil Pereira. “A nova constituição limitava o direito de voto do
analfabeto. E é bom lembrar que a parcela maior de analfabetos é de
ex-escravizados. Então, aqueles que não eram alfabetizadas eram excluídos do
sistema político”.
Desafios atuais
Passados 134 anos
de Proclamação da República, a data é vista como mais que uma celebração. É uma
oportunidade para refletir sobre os desafios atuais para tornar o país mais
democrático e diverso.
“Primeiro, nós
sabemos hoje que a maioria de pessoas presas encarceradas no Brasil são negras.
O sistema de justiça tem que passar por uma transformação completa no sentido
de ser não ser um sistema racista. Segundo, quando se fala em favela, favelado
e violência, e na ação do estado sobre esses territórios, os mais atingidos são
pessoas negras. Então, é preciso a gente ter um olhar muito claro do Estado de
ter políticas públicas para essas populações. De habitação, saúde, moradia, uma
concepção de segurança que não passa por uma lógica de controle. Terceiro, a
gente precisa aprofundar um conjunto de políticas públicas de acesso e
democratização do sistema de ensino. E quarto, ampliar a participação das
pessoas negras nos espaços de poder no Brasil. São questões para a gente
completar uma obra republicana nos motes de uma sociedade desenvolvida,
civilizada e democrática”, finaliza Vantuil Pereira.
(PL)
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