Nos tribunais estaduais, foram identificados 76,6 mil processos relacionados ao tema, sendo que 29,5 mil deles envolvem intolerância religiosa.
por Cezar Xavier
Publicado 21/01/2024 13:06 | Editado 21/01/2024 13:07
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Um recente levantamento realizado pela startup JusRacial revelou que a intolerância religiosa representa aproximadamente um terço (33%) dos processos por racismo em tramitação nos tribunais brasileiros. A pesquisa identificou um total de 176 mil processos por racismo em todo o país.
No âmbito do
Supremo Tribunal Federal (STF), a intolerância religiosa corresponde a 43% dos
1,9 mil processos de racismo em andamento na corte, segundo o levantamento. Nos
tribunais estaduais, foram identificados 76,6 mil processos relacionados ao
tema, sendo que 29,5 mil deles envolvem intolerância religiosa.
Destaca-se que o
Tribunal de Justiça de São Paulo lidera em número de casos de racismo
religioso, com quase 6,5 mil processos. Por outro lado, o Tribunal de Justiça
de Minas Gerais lidera em casos gerais de racismo, totalizando 14,1 mil processos,
dos quais 6,3 mil envolvem a espiritualidade de matriz africana. Os tribunais
regionais do trabalho reúnem 19,7 mil processos relacionados à intolerância
religiosa.
O levantamento
destaca casos emblemáticos de intolerância religiosa, como o da vendedora
Juliana Arcanjo, que perdeu a guarda da filha após levá-la para receber
iniciação no candomblé. Mesmo sendo absolvida das acusações, Juliana enfrenta a
ausência de visitas à filha há quase três anos. Casos como esse evidenciam a
persistência do preconceito, especialmente contra as religiões de matriz
africana.
Jurimetria
afirmativa
Um recente
levantamento conduzido pelo Jusracial revelou um notável aumento de 17.000% no
número de processos judiciais relacionados a racismo, incluindo casos de
intolerância religiosa, nos últimos 14 anos. Em 2009, apenas mil processos
estavam em tramitação na Justiça comum e trabalhista, demonstrando uma
significativa mudança no cenário judicial brasileiro.
A trajetória do
Jusracial na área da jurimetria teve início em 1997, quando a organização,
atuando em nome de uma ONG negra da qual foi um dos fundadores, enviou cartas
para os 27 tribunais estaduais do país. O objetivo era obter informações sobre
processos relacionados ao “preconceito racial” no período de 1951 a 1988.
Naquela época, localizar nove julgados demandou meses de esforço, refletindo a
escassez de dados sobre o tema.
A pesquisa mais
recente, concluída no último mês, identificou cerca de 176.000 processos em
tramitação em todos os ramos da Justiça, inclusive nos tribunais superiores. A
base de dados foi prospectada no repositório do Jusbrasil e extraída por meio
de pesquisa direta nos sites dos tribunais, abrangendo processos julgados e em
andamento em diferentes instâncias.
O levantamento
abrange a combinação de palavras-chave relacionadas a ilícitos raciais e
religiosos, em conformidade com o regramento civil, trabalhista e criminal.
Desde 2003, o STF qualifica a discriminação religiosa como uma espécie do
gênero racismo, e desde 2019, homofobia e transfobia foram catalogadas como
modalidades de crime de racismo.
Em 2021, a Corte
Suprema deliberou que ofensas verbais motivadas por homofobia ou transfobia
configuram injúria racial. O Dr. Paulo Lotti, conselheiro do Jusracial, teve a
honra de dividir a tribuna do STF nessa ocasião.
O Jusracial destaca
que as tabelas divulgadas, ainda em estado bruto, serão exploradas em análises
jurimétricas abrangentes para identificar tendências, invariantes e
recorrências em processos cíveis, trabalhistas e criminais. O objetivo é
fortalecer o trabalho da advocacia e contribuir para o aprimoramento da
administração da Justiça.
Apesar de os
176.000 processos representarem apenas uma fração ínfima dos casos de violações
de direitos enfrentados diariamente pela população negra e adeptos das
religiões afro-brasileiras, o aumento exponencial na judicialização indica uma
crescente confiança das vítimas no Poder Judiciário.
A análise também
destaca a disparidade entre os registros policiais e os processos judiciais
sobre intolerância religiosa. Enquanto a Polícia Civil do Rio de Janeiro
registrou cerca de 6.700 crimes associados à intolerância religiosa entre 2015
e 2019, apenas cerca de 1.500 processos sobre o tema estavam em tramitação no
Tribunal de Justiça do estado em 2023.
A alta taxa de
subnotificação desses crimes levanta questões sobre a “porta de entrada do
sistema penal”. Além disso, o elevado número de ações trabalhistas suscita
interesse na aplicação das normas da Convenção 111 da OIT, que desoneram o
empregado da produção de prova de dolo ou culpa. Essas normativas, em vigor
desde os anos 60, têm o potencial de facilitar o acesso à reparação, igualdade
e justiça para as vítimas. O Jusracial continuará explorando esses dados para
contribuir para um sistema judiciário mais eficiente e igualitário.
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