Editorial do sítio Vermelho:
Escrito na típica linguagem dos juristas em que a busca da
exatidão tem o objetivo de evitar qualquer interpretação que se desvie daquilo
que o autor pretende dizer com seu texto, o voto do ministro Celso de Mello,
nesta quarta-feira (18), admitiu os embargos infringentes que permitem o
reexame de sentenças de 12 (dos 25) réus da Ação Penal nº 470 (apelidada de
“mensalão”). Seu voto ficará nos anais do Supremo Tribunal Federal como uma
candente defesa dos direitos individuais, da Constituição, e da independência
dos juízes.
O julgamento da Ação Penal 470 foi transformado pela mídia
conservadora e pela oposição neoliberal e de direita num espetáculo circense.
Seu objetivo era condenar previamente os réus, cercear seu direito de defesa, e
constranger os juízes do STF a acatar esse julgamento da mídia conservadora e
da direita.
Havia o interesse nítido de expor e desgastar as forças
políticas que, desde 2003, com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na
Presidência da República, iniciaram e dirigem o processo de aprofundamento da
democracia que o Brasil vive hoje. Com sangue nos olhos e faca nos dentes,
porta-vozes da mídia conservadora deram ao caso o apelido de o “maior escândalo
da história da República”. Fizeram de tudo para gerar imagens (como a prisão dos
condenados) para influir nos resultados das eleições, sobretudo em 2014, quando
se escolherá o novo presidente da República para o quadriênio 2015/2018.
A direita, a oposição neoliberal e sua mídia amestrada
transformaram o julgamento em um linchamento que atropelou a lei, o processo
penal, a independência do Judiciário.
Daí a importância do voto proferido nesta quarta-feira (18)
pelo decano do STF, o ministro Celso de Mello. Foi uma aula magna, já se disse.
Ele foi autor de uma peça que se incorpora aos textos democráticos da Justiça
brasileira. Logo nos primeiros parágrafos, lembra uma coincidência feliz: a
leitura de seu voto ocorreu no dia em que se comemorava o 67º aniversário da
Constituição de 1946, promulgada exatamente no dia 18 de setembro daquele ano.
Esta coincidência permitiu-lhe lembrar que aquela Carta
Magna “restaurou a liberdade em nosso país” e “dissolveu a ordem autocrática
fundada no regime político do Estado”, afastando o modelo de “índole
ditatorial” dos tempos do Estado Novo. Desde então, assegurou Celso de Mello,
os julgamentos do STF são orientados pelo “signo da legitimidade democrática”,
pelo “respeito incondicional às liberdades fundamentais”, pela garantia do
“direito a um julgamento justo, imparcial, impessoal, isento e independente”.
Seus julgamentos, que devem ser “imparciais, isentos e independentes, não podem
expor‐se
a pressões externas, como aquelas resultantes do clamor popular e da pressão
das multidões”, argumentou.
São palavras que merecem registro. Ele recusou qualquer
julgamento feito com base no clamor popular – na assim chamada opinião pública,
ou publicada, que é o caso! –, ou na irracionalidade das paixões. Os juízes,
pregou, devem ser “juízes isentos, imparciais e independentes”, não podendo
assim se contaminar “por juízos paralelos resultantes de manifestações da
opinião pública que objetivem condicionar o pronunciamento de magistrados”, sob
pena de negarem “o direito fundamental a um julgamento justo”.
Teve ainda o dom, professoral no bom sentido da palavra, de
demonstrar – citando juristas brasileiros do passado – que este entendimento
democrático já tem mais de um século de tradição na mais alta corte de justiça
do país.
É o direito de quem seja submetido a julgamento ser
protegido contra o arbítrio do Estado e também contra pressões indevidas,
emocionais, da chamada opinião pública. Trata-se de uma dupla defesa, poderia
ter dito, contra o arbítrio e também contra o espírito de manada de multidões,
que promove linchamentos.
O processo penal deve, insistiu ele, “delinear um círculo de
proteção em torno da pessoa do réu”, inibindo “a opressão judicial e o abuso de
poder”.
O voto contém considerações pertinentes sobre a permanência
dos chamados embargos infringentes, formulando teses para fundamentar sua
decisão de aceitá-los e, assim, levar a um novo exame, pelo STF, dos aspectos
que, no julgamento anterior, não alcançou a necessária maioria de ministros a
condenar os réus (pelo menos oito).
A ânsia de produzir imagens de figuras de destaque do
Partido dos Trabalhadores, como José Dirceu, José Genoíno ou João Paulo Cunha
sendo arrastados por policiais, gerou um movimento envolvendo juízes do próprio
STF com o objetivo de garantir a prisão daqueles condenados ao menos pela parte
das penas que não foi contestada. Muitos falaram em “impunidade”, como o líder
do DEM na Câmara os Deputados, o direitista Ronaldo Caiado (GO), que
classificou a decisão de "nefasta". O jornal O Globo reforçou a
alegação de “impunidade” com uma charge onde o ex-ministro José Dirceu exibe uma
pizza.
O coro de “cadeia já” ergueu-se para ocupar o lugar vago que
a derrota da direita, de sua mídia hegemônica, e seus porta-vozes, abriu.
O Brasil democrático assistiu, na quarta-feira, à derrota do
espírito fascista e ditatorial destes setores conservadores. É impossível
antecipar o resultado do novo exame daquelas sentenças. Mas isto é outra
história, outra luta. O importante, agora, é registrar o avanço democrático
registrado pelo voto do decano do STF.
0 comentários :
Postar um comentário