Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:
Aproveitando que a Standard & Poor’s virou notícia no
Brasil, por ter rebaixado nossas notas, vale trazer à baila algumas informações
sobre o histórico recente da agência.
Ano passado, o Departamento de Justiça dos EUA acusou a
Standard & Poor por crimes contra o sistema financeiro. O governo americano
acusou a agência de manipular informações entre 2004 e 2007, ajudando a botar
fogo na crise financeira.
Entretanto, a voz mais autorizada para falar da Standard
& Poor é Paul Krugman, prêmio Nobel de economia.
Abaixo, trechos de artigo que o economista escreveu há algum
tempo sobre a agência:
Standard & Poor’s tem ainda menos credibilidade; esta
agência é a pior instituição à qual alguém deveria recorrer para receber
opiniões sobre as perspectivas do nosso país.
(…)
Comecemos pela falta de credibilidade da Standard &
Poor’s. Se existe uma única expressão que melhor descreve a decisão da agência
de classificação de risco de rebaixar os Estados Unidos, esta palavra é
chutzpah (cara de pau) – tradicionalmente definida pelo exemplo do jovem que
mata os pais e depois suplica por clemência pelo fato de ser órfão.
(…)
E a má avaliação não parou aí. É notório o fato de a
Standard & Poor’s ter dado ao Lehman Brothers, cujo colapso provocou um
pânico global, uma classificação A no mês em que aquele banco faliu. E como foi
que a agência de classificação de risco reagiu depois que a instituição
financeira de nota A foi à falência? Ela emitiu um relatório no qual negava ter
cometido qualquer erro.
*
O artigo, na íntegra:
Standard & Poor’s não tem credibilidade para avaliar
dívida dos EUA
Por Paul
Krugman, no New York Times, e no UOL.
Para entender todo o furor em torno da decisão da agência de
classificação de risco Standard & Poor’s de rebaixar os títulos da dívida do
governo dos Estados Unidos, é preciso que se leve em consideração duas ideias
aparentemente (mas não realmente) contraditórias. A primeira é que os Estados
Unidos não são de fato mais aquele país estável e confiável que era no passado.
A segunda é que a própria Standard & Poor’s tem ainda menos credibilidade;
esta agência é a pior instituição à qual alguém deveria recorrer para receber
opiniões sobre as perspectivas do nosso país.
Comecemos pela falta de credibilidade da Standard &
Poor’s. Se existe uma única expressão que melhor descreve a decisão da agência
de classificação de risco de rebaixar os Estados Unidos, esta palavra é
chutzpah (cara de pau) – tradicionalmente definida pelo exemplo do jovem que
mata os pais e depois suplica por clemência pelo fato de ser órfão.
O grande déficit orçamentário dos Estados Unidos é, afinal
de contas, basicamente o resultado da queda econômica que se seguiu à crise
financeira de 2008. E, a Standard & Poor’s, juntamente com as outras
agências de classificação de riscos, desempenhou um papel importante no que se
refere a provocar aquela crise, ao conceder classificações AAA a papeis
lastreados em hipotecas que acabaram se transformando em lixo tóxico.
E a má avaliação não parou aí. É notório o fato de a
Standard & Poor’s ter dado ao Lehman Brothers, cujo colapso provocou um
pânico global, uma classificação A no mês em que aquele banco faliu. E como foi
que a agência de classificação de risco reagiu depois que a instituição
financeira de nota A foi à falência? Ela emitiu um relatório no qual negava ter
cometido qualquer erro.
Então, são essas as pessoas que agora decretam que os
Estados Unidos da América não são mais dignos de crédito?
Mas esperem, essa história fica ainda melhor. Antes de
rebaixar os papeis da dívida dos Estados Unidos, a Standard & Poor’s enviou
um esboço preliminar do seu novo relatório ao Departamento do Tesouro. Os
funcionários do departamento identificaram rapidamente um erro de US$ 2
trilhões nos cálculos da Standard & Poor’s. E o erro era daquele tipo que
nenhum especialista em orçamento poderia cometer. Após discussões, a Standard
& Poor’s admitiu que estava errada – e rebaixou os Estados Unidos assim
mesmo, após remover uma parte da sua análise econômica do relatório.
Conforme eu explicarei daqui a pouco, não se deveria dar
muito crédito, de qualquer maneira, a tais estimativas de orçamento. Mas o
episódio não gera exatamente confiança na avaliação da Standard & Poor’s.
De forma mais geral, as agências de classificação de risco
jamais nos proporcionaram qualquer motivo para que nós levássemos a sério as
suas avaliações sobre solvência nacional. É verdade que nações que declararam
moratória geralmente foram rebaixadas antes que isso acontecesse. Mas em tais
casos as agências de classificação de risco estavam simplesmente seguindo os
mercados, que já haviam repudiado esses devedores problemáticos.
E, nos casos raros em que as agências de classificação de
risco rebaixaram países que, como os Estados Unidos neste momento, ainda
gozavam da confiança dos investidores, essa decisão por parte delas se revelou
consistentemente equivocada. Vejamos, particularmente, o caso do Japão, que foi
rebaixado pela Standard & Poor’s em 2002. Bem, nove anos depois o Japão
ainda consegue pegar dinheiro emprestado livremente e a juros módicos. De fato,
na última sexta-feira, a taxa de juros sobre os títulos de 10 anos do Japão era
de apenas 1%.
Portanto, não existe motivo para levar a sério o
rebaixamento dos Estados Unidos ocorrido na sexta-feira passada. As últimas
pessoas em cuja avaliação deveríamos confiar são os analistas da Standard &
Poor’s.
No entanto, os Estados Unidos têm de fato grandes problemas.
Esses problemas têm muito pouco a ver com a aritmética
orçamentária de curto prazo ou mesmo com a de médio prazo. O governo dos Estados
Unidos não está tendo problemas para pegar dinheiro emprestado para cobrir a
sua dívida atual. É verdade que nós estamos acumulando dívida, sobre a qual
teremos que pagar juros. Mas se fizermos de fato as contas, em vez de ficarmos
repetindo os números enormes com voz sinistra, descobriremos que até mesmo
déficits muito elevados no decorrer dos próximos anos terão um impacto pequeno
sobre a sustentabilidade fiscal dos Estados Unidos.
Não, o que faz com se tenha a impressão de que os Estados
Unidos não são confiáveis não é a matemática orçamentária, mas sim a política.
E, por favor, não vamos repetir as declarações usuais de que ambos os lados são
culpados. Os nossos problemas são quase que inteiramente provocados por um dos
lados – eles são causados, especificamente, pelo crescimento de um extremismo
de direita que está preparado para criar crises repetidas em vez de ceder um
centímetro sequer em relação às suas exigências.
O fato é que, no que se refere à economia básica, os
problemas fiscais de longo prazo dos Estados Unidos não devem ser tão difíceis
assim de se resolver. É verdade que uma população em processo de envelhecimento
e o aumento dos custos dos serviços de saúde provocarão um aumento mais rápido
– sob as atuais políticas – dos gastos do que das receitas tributárias. Mas os
Estados Unidos têm custos com saúde bem mais elevados do que os de qualquer
outra nação desenvolvida, e impostos muito baixos segundo os padrões
internacionais. Se nós pudéssemos nos aproximar, ainda que parcialmente, das
normas internacionais nessas duas frentes, os nossos problemas orçamentários
seriam resolvidos.
Então, por que é que não podemos fazer isso? Porque temos
neste país um movimento político poderoso que gritou “comitês da morte” ao se
deparar com tentativas modestas de utilização mais efetiva das verbas do
Medicare, e que preferiu que nós corrêssemos o risco de uma catástrofe
financeira do que concordar com a cobrança de um único centavo em impostos
adicionais.
O verdadeiro problema enfrentado pelos Estados Unidos, mesmo
em termos puramente fiscais, não é determinar se nós cortaremos um trilhão aqui
ou um trilhão ali do nosso déficit. O problema é saber se os extremistas que
estão atualmente bloqueando qualquer tipo de política responsável podem ser
derrotados e marginalizados.
* Tradutor: UOL. Artigo publicado em 09/08/2011.
0 comentários :
Postar um comentário