Quem tiver paciência de pesquisar na internet a verdadeira
avalanche de artigos e reportagens – muitos dos quais escritos por renomados
juristas – sobre possíveis erros no julgamento da Ação Penal 470, vulgo
“mensalão”, descobrirá que, na melhor das hipóteses, há incontáveis pontos
sobre condenações e aplicação de penas aos condenados a serem esclarecidos.
Um dos casos mais dolorosos de condenação nebulosa é o de
Henrique Pizzolato, militante do PT e ex-diretor de marketing do Banco do
Brasil. Ele foi acusado de receber propina de cerca de 300 mil reais para
avalizar transferência de R$ 73 milhões do Fundo Visanet (administrado pelo
Banco do Brasil) para as agências de Marcos Valério, o dito “operador do
mensalão”.
A defesa de Pizzolato argumentou que ele não avalizou coisa
alguma, tendo sido apenas um entre dezenas de funcionários do BB que deram aval
à operação, até porque seu cargo na instituição não lhe permitia avalizar nada.
Contudo, foi condenado no julgamento do mensalão como se tivesse sido o único
responsável pela liberação do dinheiro.
Desde o fim do ano passado que Pizzolato vem enviando,
inutilmente, informações sobre sua condenação a Blogs e jornais com os detalhes
da inépcia de sua condenação pelo STF, em uma tentativa vã de provocar a reanálise
de seu caso. A inutilidade da argumentação dele, porém, evidencia-se pelo fato
de que há condenações muito menos fundamentadas que a sua e que nem assim foram
revistas.
O caso mais escandaloso é o de José Dirceu, muito pior do
que o de Pizzolato. Dirceu, à diferença do ex-diretor de Marketing do BB, não
assinou nada, não recebeu nada, não teve uma única conversa gravada, um único
encontro suspeito comprovado. Foi condenado, pura e simplesmente, por ser uma
figura de relevo no PT à época dos fatos que geraram a AP 470.
Todo esse descalabro jurídico ocorreu por obra e graça de
dois servidores públicos: o agora ex-procurador-geral da República Roberto
Gurgel e o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.
Vale explicar que, apesar de a acusação aos “mensaleiros”
ter sido feita em 2007 pelo ex-procurador-geral da República Antonio Fernando
de Souza, daquele momento em diante as defesas de vários réus – sobretudo as de
Pizzolato e Dirceu – conseguiram apontar erros como aquele que, na última
quinta-feira, pôs em confronto o presidente do STF e o ministro Ricardo
Lewandowski. O sucessor de Souza ignorou tudo.
Para quem não entendeu bem o “juridiquês” das várias
matérias que se espalharam pela internet e pelos jornais e telejornais de ontem
para hoje, uma explicação mais simples: Barbosa e Lewandowski entraram em
confronto porque um dos réus da AP 470, o ex-deputado do PL Bispo Rodrigues,
foi condenado a pena maior com base em um erro claro do STF sobre a data de
acordo financeiro entre PT e PTB.
O acordo de repasse de 20 milhões de reais de um partido a
outro foi firmado pelo ex-presidente falecido do PTB José Carlos Martinez e o
então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, em outubro de 2003. Além de
Rodrigues, Delúbio Soares e Dirceu também tiveram suas penas agravadas por esse
acordo.
Em novembro de 2003, as penas para corrupção ativa e passiva
foram aumentadas por projeto de lei que o governo Lula enviou ao Congresso.
Como o acordo financeiro entre PT e PTB foi fechado com Martinez em outubro, a
tese das defesas de réus como Rodrigues, Delúbio e Dirceu é a de que as penas
que receberam teriam que ser calculadas com base na legislação que vigeu antes
de novembro de 2003, quando foi alterada.
O erro de datas de celebração do acordo entre PT e PTB foi
cometido no ano passado pelo Relator da AP 470, Joaquim Barbosa. Apesar de o
ex-presidente do PTB ter falecido em um desastre aéreo em outubro, logo após o
acordo fechado com Dirceu, Barbosa pôs no seu relatório sobre o mensalão que o
acordo ocorreu em dezembro, quando as penas por corrupção já tinham sido
agravadas, o que fez com que os condenados por esse crime recebessem penas
maiores.
Lewandowski, assim como seus pares, foi induzido a erro, ano
passado, pelo erro de Barbosa. Assim, concordou com a aplicação de penas com
base na nova legislação sobre corrupção (de novembro de 2003).
Os recursos dos advogados dos réus provaram que Barbosa
errou e, como é o correto, Lewandowski voltou atrás e pediu uma nova discussão
sobre se a lei aplicável à matéria deve ser a que vigeu até novembro de 2003 ou
se deve ser a que passou a viger após o agravamento das penas ocorrido naquele
mês.
O centro da polêmica entre Lewandowski e Barbosa, portanto,
é se a legislação usada para definir as penas dos réus deve se basear na data
da celebração do acordo entre PTB e PT ou na data do efetivo repasse dos
recursos, posterior à mudança da lei.
Barbosa sabe que, quando foi calculada a dosimetria (o
tamanho das penas), o que se discutiu foi a data do acordo entre PT e PTB e não
a data do repasse dos recursos de um partido para o outro. Sabe que há um erro
no processo e que foi ele mesmo quem cometeu esse erro ao inscrever em seu
relatório para a AP 470 que Martinez, apesar de estar morto, fechou acordo com
Dirceu.
Eis que Lewandowski, durante o bate-boca com Barbosa,
pergunta a ele por que a sua pressa em rejeitar o recurso sobre a data do
acordo e, de forma espantosa, o relator do mensalão acusa o revisor de praticar
“chicana” jurídica, ou seja, de tentar retardar o curso do processo, o que
equivale a acusar Lewandowski de estar atuando a serviço dos réus.
Tudo isso que vai acima revela uma certa disposição de
Barbosa para o espetáculo. Em uma única sessão do STF poderia ser discutido se
o que deve determinar as penas dos réus acusados de corrupção passiva ou ativa
é a data do acordo entre PT e PTB ou se é a data de repasse dos recursos.
Por que, então, a pressa de Barbosa?
Alguns dirão que essa pressa se deve a tentativa do
presidente do STF de não ver exposto o erro que cometeu em seu relatório.
Contudo, há visões diferentes para ele agir dessa forma.
Corte para a última quarta-feira, durante protesto do
Movimento Passe Livre e do Sindicato dos Metroviários contra Geraldo Alckmin,
em São Paulo. Este blogueiro foi cobrir o protesto e lá, pela primeira vez na
vida, foi entrevistado pelo instituto Datafolha, pertencente ao grupo
empresarial de comunicação que faz oposição cerrada aos governos do PT desde
2003.
A pesquisa começa com perguntas sobre minha intenção de voto
na sucessão presidencial do ano que vem. Como o Datafolha vem fazendo desde que
Barbosa passou a ser celebrado por grupos de classe média alta e pela mídia
após fazer o possível e o impossível para condenar petistas na AP 470, o
instituto de pesquisa incluiu o nome dele entre os presidenciáveis.
O único cenário pesquisado pelo Datafolha foi o seguinte:
Aécio Neves (PSDB)
Dilma Rousseff (PT)
Eduardo Campos (PSB)
Joaquim Barbosa (sem partido)
Marina Silva (sem partido)
Apesar das reiteradas negativas de Barbosa de que pretende
se candidatar a presidente, a grande mídia parece não acreditar nele. Pesquisas
que veículos como Folha de São Paulo, Estadão, Globo etc. encomendam sempre,
trazem o nome de Barbosa entre os presidenciáveis.
Em off, comenta-se entre a classe política e na grande mídia
que showzinhos de Barbosa como o que deu na quinta-feira ao insultar
Lewandowski, negando-se a uma discussão essencial para a imagem pública do
julgamento do mensalão, de forma a que não pairem dúvidas sobre sua lisura,
decorre de estar querendo posar como campeão da ética.
No cenário projetado sobre o futuro do presidente do STF,
esses shows de irascibilidade que ele vem dando culminariam com sua
“indignação” em caso de os recursos dos réus do mensalão produzirem reduções de
suas penas. Nesse momento, “indignado”, Barbosa renunciaria à Presidência do
STF e ao seu cargo de ministro daquela Corte e ingressaria em um partido
político a fim de disputar a sucessão de Dilma Rousseff.
Especula-se que Barbosa poderia ingressar no PSDB ou mesmo
no PMDB, mas também não descartam a possibilidade de, a exemplo do que deve
fazer Marina Silva, ingressar em alguma “legenda de aluguel”, ou seja, algum
partido como o PRN, criado em 1989 especificamente para o ex-presidente
Fernando Collor de Mello disputar a Presidência com Lula.
Nas próximas semanas, Barbosa tende a ser exaltado pela
mídia e por grupos políticos de oposição ao governo Dilma ao produzir outros
shows como o de quinta-feira passada. Shows que deverá protagonizar não só com
Lewandowski, mas com todo ministro do STF que se dispuser a pelo menos analisar
os recursos dos réus do mensalão, que Barbosa quer que sejam rejeitados
sumariamente.
Para quem acha que tudo isso é devaneio, que vá conversar
com o Datafolha e com os outros institutos que, sob influência da grande mídia
de oposição a Dilma, duvidam de Barbosa quando ele nega que pretenda
desempenhar o script descrito acima. Eles não dão um centavo pelas as negativas
do presidente do STF.
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